sábado, 6 de junho de 2020

PINÓQUIO # 30 - Capitulo XXX de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

XXX

Pinóquio, em vez de se transformar num rapaz, parte às escondidas com o seu amigo
Palito para a terra da brincadeira.

    Como é natural, Pinóquio pediu logo autorização à Fada para ir dar uma volta pela cidade a fim de fazer convites, e a Fada disse-lhe:
    - Vai lá convidar os teus amigos para o pequeno-almoço de amanhã, mas não te esqueças de voltar para casa antes que anoiteça. Percebeste?
    - Prometo que daqui a uma hora já estou de volta – respondeu o boneco.
    - Cuidado, Pinóquio! Os miúdos são muito prontos a prometer, mas a maior parte das vezes tardam a cumprir.
    - Mas eu não sou como os outros; eu, quando digo uma coisa, faço-a.
    - Veremos. Aliás, caso desobedeças, pior para ti!
    - Porquê?
   - Porque os miúdos que não fazem caso dos conselhos de quem sabe mais do que eles acabam sempre por ir ao encontro de alguma desgraça.
    - E eu já passei por isso! – disse Pinóquio. – Mas agora já não volto a cair nessa.
    - Veremos se falas verdade.
   Se mais palavras, o boneco despediu-se da sua boa Fada que era uma espécie de mãe para ele e, cantando e bailando, saiu de casa.
   Em pouco de uma hora todos os seus amigos foram convidados. Alguns aceitaram logo e com muito gosto; outros a princípio fizeram-se rogados, mas quando souberam que os pãezinhos para molhar no café com leite também seriam barrados de manteiga na parte de fora, acabaram por dizer: “Nós também vamos, para ficares contente.”
   Chegou a altura de dizer que Pinóquio, entre os seus amigos e companheiros de escola, tinha um que era o seu predilecto e de quem gostava muito; chamava-se Romeu, mas todos o tratavam pela alcunha de Palito por causa do seu físico de lingrinhas, seco e magricela tal qual como um palito.
   O Palito era o miúdo mais perigoso e mais travesso da escola toda, mas Pinóquio gostava muito dele. Com efeito, foi imediatamente procurá-lo a casa para o convidar, mas não o encontrou; voltou pela segunda vez, e o Palito não estava; voltou ainda uma terceira vez, mas fez o caminho em vão.
    Onde poderia encontrá-lo? Procura daqui, procura dali, por fim avistou-o escondido no alpendre de uma casa de lavradores.
     - Que fazer tu aí? – perguntou-lhe Pinóquio, aproximando-se.
     - Estou à espera que seja meia-noite para partir.
     - Aonde vais?
     - Para longe, muito longe.
     - E fui eu três vezes procurar-te a casa!...
     - O que é que me querias?
     - Não sabes do grande acontecimento? Não sabes a sorte que me coube?
     - Que sorte?
     - Amanhã deixo de ser um boneco e passo a ser um rapaz como tu e como os outros todos.
     - Bom proveito te faça!
     - Portanto, amanhã espero por ti para o pequeno-almoço em minha casa.
     - Mas se já te disse que parto esta noite!
     - A que horas?
     - Daqui a pouco.
     - E para onde vais?
     - Vou morar numa terra... que é a melhor terra deste mundo: uma verdadeira maravilha!
     - E como se chama?
     - Chama-se Terra da Brincadeira. Porque é que não vens também?
     - Eu? Nem pensar!
    - Fazes mal, Pinóquio! Acredita em mim: se não vieres, vais-te arrepender. Onde é que encontras uma terra que seja mais saudável para os rapazes como nós? Lá não há escolas, não há professores e não existem livros. Naquela bendita terra nunca se estuda. Ao sábado não há escola, e as semanas lá compõe-se de seis sábado e um domingo. Imagina tu que as férias de Verão começam no primeiro dia de Janeiro e terminam no último dia de Dezembro. Aí está uma terra como eu de facto gosto! Aí está como deviam ser todas as terras civilizadas!
    - Mas como é que se passam os dias na Terra da Brincadeira?
   - Passam-se a brincar e a divertir-se de manhã à noite. Quando é noite vai-se para a cama, e na manhã seguinte começa-se a brincar outra vez. O que é que te parece?
    - Hum!... – fez Pinóquio, e abanou levemente a cabeça, com quem diz: “É uma vida que também eu faria de boa vontade!”
    - E então, queres ir comigo? Sim ou não? Resolve-te.
   - Não, não e não. Já prometi à minha bos Fada que ia ser um rapaz bem-comportado, e quero cumprir a promessa. Aliás, vejo que o sol já se está a pôr, por isso vou-te deixar e correr para casa. Então adeus e boa viajem.
    - Para onde vais com tanta pressa?
    - Para casa. A minha boa Fada quer que eu volte antes que anoiteça.
    - Espera só mais dois minutos.
    - Só dois minutos.
    - E se a Fada depois ralha?
    - Deixa-a ralhar. Quando estiver farta de ralhar, cala-se – disse o patife do Palito.
    - E como é que fazes? Vais sozinho ou acompanhado?
    - Sozinho? Somos mais de cem miúdos.
    - E fazem a viagem a pé?
   - Daqui a pouco passa por aqui a carruagem que me vem buscar para me levar para dentro das fronteiras daquela abençoada terra.
    - Quanto não daria para que a carreuagem passasse agora!
    - Porquê?
    - Para vos ver partir todos juntos.
    - Fica aqui mais um pouco e poderás ver-nos.
    - Não, não; quero voltar para casa.
    - Espera mais dois minutos.
    - Já demorei demais. A Fada já deve estar preocupada comigo.
    - Coitada da Fada! Se calhar tem medo que os morcegos te comam!
    - Mas então – acrescentou Pinóquio -, tens mesmo a certeza de que naquela terra não há escolas?
    - Nem somdra dela.
    - Nem professores?
    - Nem sequer um.
    - E não há nunca a obrigação de estudar?
    - Nunca, nunca, nunca!
   - Que beleza de terra! – disse Pinóquio, sentindo crescer água na boca. – Que beleza de terra! Eu nunca lá estive, mas imagino como é.
    - Porque é que não vens também?
    - Não vale a pena tentares-me! Já prometi à minha boa Fada que me tornaria um rapaz ajuizado, e não quero faltar à minha palavra.
   - Então adeus, e dá cumprimentos meus às escolas primárias... e também às secundárias, se as encontrares pelo caminho.
    - Adeus, Palito. Faz boa viagem, diverte-te e de vez em quando lembra-te dos amigos.
  Dito isto, o boneco deu dois passos para se ir embora; mas depois, parando e voltando-se para o amigo, perguntou-lhe:
   - Mas tens mesmo a certeza que as férias começam no primeiro dia de Janeiro e terminam no último dia de Dezembro?
   - De certeza absoluta!
  - Que beleza de terra! – repetiu Pinóquio, cuspindo de excessiva satisfação. Depois, em tom decisivo, acrescentou bruscamente:
   - Então, adeus mesmo; e boa viagem.
   - Adeus.
   - Quanto falta para partire?
   - Falta um bocado.
   - Que pena! Se faltasse só uma hora para a partida, quase seria capaz de esperar.
   - E a Fada?...
   - Agora, assim como assim já estou atrasado... e voltar para casa uma hora mais cedo ou uma hora mais tarde, tanto faz.
   - Pobre Pinóquio! E se a Fada te ralha?
   - Paciência! Deixo-a ralhar. Quando estiver farta de ralhar logo se cala.
  Entretanto fizera-se noite, e bem escura; nisto, viram ao longe mover-se uma luzinha e ouviram o som de guizos e um toque de trombeta, tão curto e abafado que até pareceu o zumbido de um mosquito.
  - Lá vem ela! – gritou o Palito, pondo-se em pé.
  - Quem é? – perguntou Pinóquio muito baixinho.
  - É a carruagem que me vem buscar. Então, afinal queres vir ou não?
  - Mas é mesmo verdade – perguntou o boneco – que naquela terra os miúdos nunca são obrigados a estudar?
  - Nunca, nunca, nunca!
  - Que beleza de terra!... que beleza de terra!... oh! Mas que beleza de terra!

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia). Se detectarem algum erro ou gralha, agradecemos que nos enviem um mail a alertar.

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