terça-feira, 2 de junho de 2020

PINÓQUIO # 26 - Capitulo XV de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

XXVI

Pinóquio vai com os companheiros de escola até à beira-mar para ver o terrível tubarão.

    No dia seguinte, Pinóquio foi à escola municipal.
Imaginem os marotos dos rapazes, quando viram entrar na escola um boneco! Foi uma risota que nunca mais acabava. Um fazia-lhe uma partida, outro outra: um tirava-lhe o chapéu da mão, outro puxava-lhe o casaco por trás, um outro tentava fazer-lhe com tinta dois grandes bigodes por baixo do nariz, e outro ainda tinha a ousadia de lhe atar fios aos pés e às mãos para o fazer dançar.
   Durante algum tempo Pinóquio suportou tudo com desevoltura; mas por fim, sentindo que lhe faltava a paciência, dirigiu-se àqueles que mais o atazanavam e faziam troça dele e disse-lhes, com cara de poucos amigos:
    - Cuidado, rapazes! Eu não vim aqui para ser o vosso bobo da corte. Eu respeito os outros e quero ser respeitado também.
    - Muito bem, que diabo! Falaste como um livros aberto! – gritaram aqueles marotos, rebolando-se de riso; e um deles, mais impertinente que os outros, estendeu a mão com a intenção de agarrar o boneco pela ponta do nariz.
Mas não teve tempo, porque Pinóquio estendeu a perna por baixo da mesa e deu-lhe um pontapé nas canelas.
     - Ai, que pés tão duros! – gritou o rapaz, esfregando a nódoa negra que o boneco lhe fizera.
     - E que cotovelos!... ainda mais duros do que os pés! – disse outro que, por causa das suas partidas grosseiras, levara uam cotovelada no estômega.
    A verdade é que depois daquele pontapé e daquela cotovelada, Pinóquio conquistou imediatamente a estima e a simpatia de todos os rapazes da escola, e todos lhe faziam muitas festas e lhe queriam bem do fundo do coração.
    E até o professor o gabava, pois via-o atento, estudioso, inteligente, sempre o primeiro a entrar na escola e sempre o último a pôr-se em pé quando as aulas acabavam.
    O único defeito que tinha era o de conviver com demasiados companheiros, entre os quais havia muitos malandros bem conhecidos pela pouca vontade de estudar e de se portarem bem.
    O professor todos os dias o avisava, e também a boa Fada não passava sem lhe dizer e repetir muitas vezes:
     - Cuidado, Pinóquio! Aquelas tuas más companhias da escola mais cedo ou mais tarde acabam por te fazer perder o amor ao estudo e, quem sabe, por te causar algumas desgraças das garndes.
     - Não há perigo! – respondia o boneco, encolhendo os ombros e tocando com o indicador no meio da testa como quem diz: “Juízo não falta aqui dentro!”
    Ora aconteceu que um belo dia, quando se dirigia para a escola, encontrou um grupo dos seus companheiros do costume que, indo ao encontro dele, lhe disseram:
      - Sabes a grande novidade?
      - Não.
      - No mar aqui perto apareceu um Tubarão tão grande como uma montanha.
      - A sério?... Será o mesmo Tubarão de quando o meu pobre pai se afogou?
      - Nós vamos até à praia para o ver. Queres vir também?
      - Eu não; eu quero ir para a escola.
    - Que importância tem a escola? À escola vamos amanhã. Com uma lição a mais ou a menos, seremos sempre os mesmos burros.
      - E o que dirá o professor?
      - Que diga o que disser. É para isso que lhe pagam, para rezingar todo o dia.
      - E a minha mãe?
      - As mães nunca sabem sabem de nada – responderam aqueles malvados.
    - Sabem o que é que eu faço? – disse Pinóquio. – Tenho as minhas razões para querer ver o Tubarão... mas vou vê-lo depois das aulas.
      - Que grande palerma! – retrucou um do grupo. – Então achas que um peixe daquele tamanho está disposto a ficar ali às tuas ordens? Assim que se fartar põe-se a andar para outro lado, e quem não o viu que visse.
      - Quanto tempo se leva daqui até à praia? – perguntou Pinóquio.
      - Numa hora vamos e voltamos à vontade.
      - Então, toca a andar! E aquele que mais correr é o mais esperto! – gritou Pinóquio.
     Dado assim o sinal de partida, o grupo de garotos, com os livros e os cadernos debaixo do braço, destou a correr através dos campos, e Pinóquio ia sempre à frente de todos: parecia que tinha asas nos pés.
   De vez em quando, voltando-se para trás, troçava dos companheiros que vinham a uma boa distãncia dele e, ao vê-los o fegantes, cansados, cobertos de poeira e com a língua de fora, ria-se a bom rir. O infeliz, naquele momento, não sabia que medos e desgraças horríveis o esperavam.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia). Se detectarem algum erro ou gralha, agradecemos que nos enviem um mail a alertar.

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