segunda-feira, 1 de junho de 2020

PINÓQUIO # 25 - Capitulo XV de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

XXV

Pinóquio promete à Fada que vai ser bom e estudar, porque está farto de ser um
boneco e quer ser um rapaz como deve ser.

    A princípio a bondosa mulher começou a dizer que não era a pequena Fada dos cabelos azul-turquesa, mas depois, vendo que tinha sido descoberta e não querendo prolongar a comédia por mais tempo, acabou por se deixar reconhecer e disse a Pinóquio:
     - Que boneco malandro! Como é que percebeste que era eu?
     - Foi o muito que te quero que fez com que eu percebesse.
     - Lembras-te?  Deixaste-me menina e agora encontras-me mulher; tão mulher, que quase podia ser tua mãe.
     - Ainda bem, porque assim, em vez de irmãzinha passo a chamer-te minha mãe. Há quanto tempo que anseio por ter uma mãe, como todos os outros miúdos!... Mas como conseguiste crescer em tão pouco tempo?
     - É segredo.
     - Ensina-mo, que eu também queria crescer um pouco. Não estás a ver? Fiquei sempre baixote?
     - Mas tu não podes crescer – respondeu a Fada.
     - Porquê?
     - Porque os bonecos nunca crescem. Nascem bonecos, crescem bonecos e bonecos morrem.
     - Oh, estou faro de ser sempre boneco! – gritou Pinóquio, dando um murro na cabeça. Acho que já é tempo de também eu ser um homem.
     - E hás-de ser, se souberes merecê-lo.
     - A sério? E o que posso fazer para merecer?
     - Uma coisa muito simples: habituares-te a ser um rapazinho bem-comportado.
     - E por acaso não sou?
     - Bem pelo contrário! Os rapazes bem-comportados são obedientes, ao passo que tu...
     - Eu nunca obedeço.
     - Os rapazes bem-comportados t~em dedicação ao estudo e ao trabalho, e tu...
     - E eu, em vez disso, levo vida de mandrião e de vadio o ano inteiro.
     - Os rapazes bem-comportados dizem sempre a verdade...
     - E eu, sempre mentiras.
     - Os rapazes bem-comportados gostam de ir à escola...
     - E a mim a escola faz-me dores de barriga. Mas de hoje em diante quero mudar de vida.
     - Prometes-mo?
     - Prometo. Quero transformar-me num miúdo bem-comportado e quero ser o consolo do meu pai... Onde estará o meu pobre pai a esta hora?
     - Não sei.
     - Será que alguma vez terei a sorte de voltar a vê-lo e abraçá-lo?
     - Acho que sim; aliás, tenho a certeza.
     Ao ouvir esta resposta, o contentamento de Pinóquio foi tão grande que pegou nas mãos da Fada e começou a beijá-las com tanto ardor que parecia quase fora de si. Depois, erguendo o rosto e olhando-a amorosamente, perguntou-lhe:
     - Diz-me, mãezinha: portanto não é verdade que morreste?
     - Parece que não – respondeu a Fada a sorrir.
     - Se soubesses a dor e o aperto na garganta que eu senti quando li “AQUI JAZ...”
    - Bem sei; e foi por isso que te perdoei. A sinseridade da tua dor fez-me ver que tinhas um bom coração; e quando os miúdos têm bom coração, mesmo quando são um bocado travessos e mal-educados, pode-se sempre esperar alguma coisa deles: isto é, pode-se sempre ter esperança de que entram no bom caminho. Foi por isso que vim até aqui à tua procura. Serei a tua mãe...
     - Oh! Que coisa tão boa! – gritou Pinóquio, saltando de alegria.
     - Vais obedecer-me e fazer sempre aquilo que eu disser.
     - Com todo o gosto, com todo o gosto!
     - A partir de amanhã – continuou a Fada – começas a ir à escola.
     Pinóquio ficou logo um bocadinho menos alegre.
     - Depois escolhes uma arte ou um ofício a teu gosto.
     Pinóquio ficou sério.
     - O que é que estás a resmungar entre dentes? – perguntou a Fada em tom ressentido.
    - Estava a dizer... – balbuciou o boneco, a meia-voz – que agora para ir escola já me parece um pouco tarde...
     - Não senhor. Mete na cabeça que para nos instruirmos e para aprendermos nunca é tarde.
     - Mas eu não quero aprender nenhuma arte nem nenhum ofício.
     - Porquê?
     - Porque acho que trabalhar é cansativo.
    - Meu rapaz – disse a Fada – os que falam assim acabam quase sempre na prisão ou no hospital. Pois fica sabendo que o homem, quer nasça rico quer nasça pobre, tem a obrigação de fazer alguma coisa neste mundo, de ter uma ocupação, de trabalhar. Ai daquele que se entrega ao ócio! O ócio é uma doença terrível que é preciso curar logo, desde miúdo; senão, quando somos crescidos já não temos cura.
      Estas palavras tocaram o coração de Pinóquio, o qual, erguendo a cabeça com determinação, disse à Fada:
     - Eu vou estudar, vou trabalhar, vou fazer tudo o que me disseres, porque afinal já estou farto da vida de boneco e quero transformar-me num rapaz custe o que custar. Prometeste-mo, não é verdade?
      - Prometi, e agora depende só de ti.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia). Se detectarem algum erro ou gralha, agradecemos que nos enviem um mail a alertar.

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