terça-feira, 5 de maio de 2020

PINÓQUIO # 8 - Capitulo VIII de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

VIII

Gepeto faz outra vez os pés a Pinóquio e vende o casaco para lhe comprar uma cartilha.

   Assim que Pinóquio se sentiu aliviado da fome, começou imediatamente a resmungar e a chorar porque queria um par de pés novos.
  Mas Gepeto, para o castigo pelas traquinices que fez, deixou-o chorar e desesperar-se durante metade do dia; depois disse-lhe:
   - E por que razão te hei de voltar a fazer os pés? Será para te ver fugir de casa outra vez?
   - Prometo-te – disse Pinóquio a chorar – que a partir de hoje vou ser bonzinho.
   - Todos os miúdos dizem isso quando querem obter alguma coisa – respondeu Gepeto.
   - Prometo-te que irei à escola, que estudarei e que serei um bom aluno.
   - Todos os miúdos, quando querem obter alguma coisa, repetem a mesma história.
   - Mas eu não sou como os outros miúdos! Eu sou melhor do que os outros e digo sempre a verdade. Prometo-te pai, que aprenderei um ofício e que hei de ser o teu consolo e o teu amparo na velhice.
  Gepeto, que embora fizesse cara de mau, tinha os olhos cheios de lágrimas e o coração cheio de mágoa por ver seu pobre Pinóquio naquele estado lastimoso, nada respondeu àquelas palavras; e agarrando nas ferramentas do seu ofício e em dois pedaços de madeira bem seca, pôs-se a trabalhar com grande desvelo.
   Em menos de uma hora, os pés estavam prontos: dois pezinhos esbeltos, magros e nervosos, como se tivessem sido esculpidos por um artista de génio.
   Então, Gepeto disse ao seu boneco:
   - Fecha os olhos e dorme.
  Pinóquio fechou os olhos e fingiu que estava a dormir. Enquanto ele fazia de conta que tinha adormecido, Gepeto, com um bocado de cola dissolvida dentro de uma casca de ovo, colou-lhe os pés no devido lugar e colou-os tão bem que nem sequer se notava nenhum sinal da colagem.
  Assim que Pinóquio se deu conta de que já tinha pés, soltou da mesa que estava estendido e começou a espernear e a dar cambalhotas como se tivesse ficado louco de alegria.
    - Para te recompensar de tudo o que fizeste por mim – disse ele ao pai -, quero ir já para a escola.
    - Óptimo, rapaz!
    - Mas para ir à escola preciso de alguma roupa.
   Gepeto, que era pobre e não tinha no bolso nem um cêntimo, fez-lhe um fato de papel às flores, um par de sapatos de casca de árvores e um chapelinho de miolo de pão.
   Pinóquio foi logo a correr ver-se ao espelho numa bacia cheia de água, e ficou tão satisfeito com o que viu que disse, pavoneando-se:
    - Pareço mesmo um senhor!
    - É verdade – respondeu Gepeto. – Porque, não te esqueças do que te vou dizer, não é o fato bonito que faz o senhor, mas sim o fato limpo.
   - A propósito – acrescentou Pinóquio -, para ir à escola ainda me falta qualquer coisa; ou melhor, falta-me o importante.
    - E o que é?
    - Falta-me a cartilha.
    - Tens razão; mas onde é que vamos arranjá-la?
    - É muito fácil: vai-se a uma livraria e compra-se.
    - E o dinheiro?
    - Eu não tenho.
    - Nem eu – acrescentou o bom velho, com ar triste.
  E Pinóquio, apesar de ser um miúdo muito alegre, também fez um ar triste: porque quando a miséria é mesmo miséria, até os miúdos a compreendem.
    - Paciência! – gritou Gepeto de repente, pondo-se em pé; e, enfiando o velho casaco de fustão todo passajado e remendado, saiu de casa a correr.
    Pouco depois voltou, trazendo na mão a cartilha para o filhote, mas já não tinha o casaco. O pobre homem vinha em mangas de camisa, e lá fora nevada.
     - E o casaco, pai?
     - Vendi-o.
     - Porque é que o vendeste?
     - Porque me fazia calor.
Pinóquio percebeu imediatamente o sentido daquela resposta e, sem poder conter o impulso do seu bom coração, saltou ao pescoço de Gepeto e começou a beijá-lo por todo o rosto.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia)
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