quinta-feira, 21 de maio de 2020

PINÓQUIO # 19 - Capitulo XIX de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

XIX

Roubam as moedas de ouro a Pinóquio, e para castigo apanha quatro meses de prisão.


    Tendo voltado para a cidade, Pinóquio pôs-se a contar os minutos um a um, e assim que lhe pareceu que já eram horas tomou o caminho que levava ao Campo dos Milagres.
      E enquanto caminhava com passo apressado, o coração batia-lhe com força e fazia tic-tac, tic-tac, como um relógio de sala com a corda toda. Entretanto ia pensando com os seus botões:
     “E se em vez de mil moedas eu encontrasse duas mil nos ramos da árvore? E se em vez de duas mil encontrasse cinco mil? E se em vez de cinco mil encontrasse cem mil? Oh, que grande senhor que eu passaria a ser! Queria ter um belo palácio, mil cavalinhos de madeira e mil cavalariças para me poder divertir, uma adega cheia de licores e xaropes e um armário repleto de frutas cristalizadas, de tortas, de pães-de-ló, de nógados e de filhós com natas.”
      Assim entregue às suas fantasias chegou às proximidades do campo, e ali se de deteve a olhar para ver se por acaso conseguia avistar alguma arvorezinha com os ramos carregados de moedas; mas não viu nada. Andou mais cem passos para diante, e nada; penetrou no campo, foi mesmo até àquele pequeno buraco em que enterrara as suas moedas de ouro, e nada. Então ficou preocupado e, esquecendo as boas maneiras e as regras da boa educação, tirou uma mão do bolso e coçou longamente a cabeça.
         Nesse instante sentiu assobiar-lhe nos ouvidos uma grande gargalhada e, voltando-se para cima, viu pousado numa árvore um grande Papagaio que catava as poucas penas que tinha.
         - Porque te ris? – perguntou-lhe Pinóquio com voz amuada.
         - Rio-me porque ao catar-me fiz cócegas debaixo das asas.
       O boneco não respondeu. Foi até ao charco, encheu de água o sapato do costume e pôs-se de novo a regar a terra que cobria as moedas de ouro.
     Nisto, outra gargalhada ainda mais impertinente do que a anterior fez-se ouvir na solidão silenciosa daquele campo.
         - Mas afinal – gritou Pinóquio, irritado -, Papagaio mal-educado, pode-se saber do que é que te ris?
        - Rio-me dos néscios que acreditam em todos os disparates e se deixam enganar por quem é mais esperto do que eles.
          - Estarás por acaso a falar de mim?
       - Sim, estou a falar de ti, pobre Pinóquio. De ti que és tão ingénuo que até acreditas que as moedas se podem semear e colher nos campos, como acontece com os feijões e as abóboras. Também eu em tempos acreditei nisso, e hoje sofro as consequências. Agora (mas agora é tarde!) fui obrigado a convencer-me de que para juntar algum dinheiro honestamente é preciso saber ganhá-lo, quer com o trabalho das nossas mãos quer com a inteligência da nossa cabeça.
         - Não te estou a perceber – disse Pinóquio, que já começa a tremer de medo.
        - Paciência! Vou-me explicar melhor – acrescentou o Papagaio. – Fica sabendo que enquanto tu estavas na cidade a Raposa e o Gato voltaram a este campo, tiraram as moedas de ouro que estavam enterradas e depois fugiram, velozes como o vento. E agora quem puder que os apanhe.
      Pinóquio ficou de boca aberta e, sem querer acreditar nas palavras do Papagaio, começou a escavar com as mãos e as unhas o pedaço de terra que tinha regado. Escavou, escavou, escavou, até fazer um buraco tão profundo que teria lá cabido à vontade um palheiro; mas as moedas não estavam lá.
     Então, cheio de desespero, voltou para a cidade a correr e foi direitinho ao tribunal, para denunciar ao Juiz os dois malandros que o tinham roubado.
     O Juiz era um macacão da raça dos gorilas, um velho macacão respeitável pela sua idade avançada, pela barba branca, e sobretudo pelos óculos de ouro, sem vidros, que era obrigado a usar sempre por causa de uma inflamação nos olhos que o atormentava há muitos anos.
        Pinóquio, na presença do Juiz, contou tintim por tintim a injusta fraude de que fora vítima, deu o nome, o sobrenome e os sinais fisionómicos dos patifes, e terminou pedindo justiça.
       O Juiz escutou-o com muita complacência, mostrou-se muito interessado na história, enterneceu-se, comoveu-se, e quando Pinóquio já não tinha mais nada a dizer, estendeu a mão e tocou a campainha.
        Àquela campainhada apareceram de imediato dois cães de guarda vestidos de gendarmes.
        Então o Juiz, indicando Pinóquio aos gendarmes, disse-lhes:
       - Esse pobre diabo foi roubado em quatro moedas de ouro: portanto agarrem nele e metam-no já na prisão.
      Pinóquio, ao ouvir que lhe davam esta sentença sem mais nem menos, ficou pasmado e queria protestar; mas os guardas, para evitarem perdas de tempo inúteis, taparam-lhe a boca e levaram-no para a cadeia.
       E ali teve de permanecer quatro meses, quatro longuíssimos meses; e teria ficado ainda mais, se não se tivesse dado um caso muito afortunado. Pois Deixem que vos diga que o jovem imperador que reinava na cidade de Caça-Néscios, tendo obtido uma grande vitória contra os seus inimigos, mandou que se fizesse grandes festejos, iluminações públicas, fogo-de-artifício, corridas de cavalos e de bicicletas, e em sinal de grande regozijo ordenou também que fossem abertas as portas das prisões e libertados todos os malandros.
        - Se os outros saem da prisão, também eu quero sair – disse Pinóquio ao carcereiro.
        - Tu não – respondeu o carcereiro -, porque tu não pertences àquele número.
        - Peço desculpas – retorquiu Pinóquio. – Eu também sou um malandro.
        - Nesse caso tens toda a razão – disse o carcereiro e, tirando o chapéu com todo o respeito para o cumprimento, abriu as portas da prisão e deixo-o ir embora.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia)
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