quarta-feira, 20 de maio de 2020

PINÓQUIO # 18 - Capitulo XVIII de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

XVIII

Pinóquio encontra outra vez a raposa e o gato e vai com ele
 semear as quatro moedas no campo dos milagres.

    Como podem imaginar, a Fada deixou Pinóquio chorar e berrar durante uma boa meia hora por causa do nariz já não passar pela porta do quarto; fê-lo para lhe dar uma severa lição e para que ele se corrigisse daquele vício tão feio de mentir, o pior vício que um criança pode ter. Mas quando o viu transfigurado e com os olhos a saírem-lhe das órbitas devido ao grande desespero, então, condoído, bateu as palmas, e àquele sinal estraram no quarto, pela janela, um milhar de pássaros grandes chamados Pica-Paus, que pousaram todos no nariz de Pinóquio e começaram a picá-lo sem parar, de modo que dali a poucos minutos aquele nariz enorme e desproporcionado estava reduzido ao seu tamanho normal.
       - Como tu és boa, minha Fada! – disse o boneco enxugando os olhos. – Gosto tanto de ti!
       - Também eu gosto de ti – respondeu a Fada -, e se quiseres ficar comigo serás o meu irmãozinho e eu a tua irmã boazinha.
       - Ficaria de boa vontade... mas o meu pobre pai?
       - Já tratei de tudo. O teu pai já foi avisado, e antes que seja noite estará aqui.
    - De verdade? – gritou Pinóquio saltando de alegria. – Então, minha Fadazinha, se não te importares eu gostava de ir ao encontro dele. Não vejo a hora de poder dar um beijo àquele pobre velho que tem sofrido tanto por mim.
        - Vai lá, mas tem cuidado para não te perderes. Vai pelo caminho do bosque, e tenho a certeza de que o encontrarás.
        - Pinóquio partiu, e assim que entrou no bosque começou a correr como um cabrito. Mas quando chegou a um certo sítio, quase diante do Carvalho Grande, parou porque lhe pareceu ter ouvido gente por entre as ramagens das árvores. De facto, viu aparecer na estrada, adivinham quem?... a Raposa e o Gato, ou seja, os dois companheiros de viagem com quem tinha jantado na estalagem do Lagostim Encarnado.
       - Olha o nosso querido Pinóquio! – gritou a Raposa, abraçando-o e beijando-o. – Como vieste aqui parar?
         - Como vieste aqui parar? – repetiu o Gato.
         - É uma longa História – disse o boneco – que depois vos conto com calma. Mas saibam que na outra noite, quando vocês me deixaram sozinho na estalagem, encontrei os assassinos pelo caminho.
         - Os assassinos?... Oh, pobre amigo! E o que queriam eles?
         - Queriam roubar-me as moedas de ouro.
         - Infames! – disse a Raposa.
         - Infamíssimos! – disse o Gato.
        - Mas eu comecei a fugir – continuou a contar o boneco – e eles sempre atrás de mim, até que me apanharam e me enforcaram num ramo daquele carvalho.
         E Pinóquio apontou para o Carvalho Grande que estava ali a dois passos.
        - Mas pode haver alguma coisa pior do que isto? – disse a Raposa. – Em que mundo estamos condenados a viver! Onde é que nós, as pessoas de bem, podemos encontrar um refúgio seguro?
         Enquanto assim falavam Pinóquio reparou que o Gato estava coxo da pata direita da frente, pois faltava-lhe toda a extremidade da pata onde estão as garras; por isso perguntou-lhe:
         - O que foi feito da tua pata?
         O Gato queria responder qualquer coisa, mas atrapalhou-se. Então, a Raposa disse muito de-
pressa:
         - O meu amigo é muito modesto, por isso não responde. Respondo eu por ele. Fica sabendo que há coisa de uma hora encontrámos na estrada um velho lobo quase desfalecido de fome, que nos pediu esmola. Como não tínhamos sequer uma espinha de peixe para lhe dar, o que fez o meu amigo que tem um coração de santo? Arrancou com os dentes uma das suas patinhas da frente e atirou-se ao pobre animal, para que ele pudesse comer qualquer coisa.
         E ao dizer isto, a Raposa enxugou uma lágrima.
         Pinóquio, também comovido, aproximou-se do Gato e sussurrou-lhe ao ouvido:
         - Se todos os gatos fossem como tu, felizes dos ratos!
         - E agora, o que fazes por estes lados? – perguntou-lhe a Raposa.
         - Estou à espera do meu pai, que deve chegar aqui a qualquer momento.
         - E as tuas moedas de ouro?
         - Ainda as tenho no bolso, menos uma que gastei na estalagem do Lagostim Encarnado.
       - E pensar que, em vez de quatro, amanhã poderiam ser mil ou duas mil! Porque não segues o meu conselho? Porque é que não vais semeá-las no Campo dos Milagres?
         - Hoje é impossível, irei noutro dia.
         - Noutro dia será tarde – disse a Raposa.
         - Porquê
        - Porque aquele campo foi comprado por um grande senhor e a partir de amanhã já ninguém lá poderá semear dinheiro.
         - A que distância fica daqui o Campo dos Milagres?
       - Apenas dois quilómetros. Queres vir connosco? Daqui a meia hora estás lá: semeias logo as quatro moedas, daí a poucos minutos colhes duas mil, e logo à noite voltas aqui com os bolsos cheios. Queres vir connosco?
        Pinóquio hesitou um pouco em responder porque lhe voltou à lembrança a bondosa Fada, o velho Gepeto e as advertências do Grilo-Falante; mas depois acabou por fazer como fazem todos os miúdos sem pingo de juízo e sem coração: isto é, acabou por acenar com a cabeça e disse à Raposa e ao Gato:
         - Vamos embora: eu vou convosco.
         E partiram.
       Depois de terem caminhado meio dia, chegaram a uma cidade que se chamava Caça-Néscios. Assim que entrou na cidade, Pinóquio viu que todas as ruas estavam cheias de cães pelados que bocejavam com fome, de ovelhas tosquiadas que tremiam de frio, de galinhas sem crista nem barbilhões que pediam a esmola de um grão de milho, de grandes borboletas que não podiam voar porque tinham vendido as suas belíssimas asas coloridas, de pavões sem cauda que tinham vergonha de serem vistos, e de faisões que corriam dum lado para o outro em silêncio, saudosos das suas penas cintilantes de ouro e prata perdidas para sempre.
        Por entre esta multidão de mendigos e de pobres envergonhados, passavam de vez em quando algumas carruagens senhoris que transportavam alguma raposa ou alguma pega gatuna, ou então alguma ave de rapina.
          - E onde é o Campo dos Milagres? – perguntou Pinóquio.
          - Fica a dois passos daqui.
         Dito e feito: atravessaram a cidade e quando saíram para o exterior das muralhas pararam num campo solitário que, mais coisa menos coisa, era idêntico a todos os outros campos.
         - Cá estamos – disse a Raposa ao boneco. – Agora curva-te para a terra, cava com as mãos um pequeno buraco no campo, e mete lá dentro as moedas de ouro.
          Pinóquio obedeceu: cavou o buraco, colocou nele as quatro moedas de ouro que lhe restavam, e depois tapou o buraco com um pouco de terra.
          E agora – disse a Raposa – vai àquele charco que fica aqui ao pé, traz um balde de água e rega o terreno no sítio em que semeaste.
        Pinóquio foi até ao charco e, como não havia por ali nenhum balde, descalçou um sapato e, enchendo-o de água, regou a terra que cobria o buraco. Depois perguntou:
           - É preciso fazer mais alguma coisa?
           - Mais nada – respondeu a Raposa. – Agora podemo-nos ir embora. Tu voltas cá dentro de uns vinte minutos e encontrarás a arvorezinha já despontada do solo e com os ramos carregadinhos de moedas.
       O pobre boneco, fora de si de contentamento, agradeceu mil vezes à Raposa e ao Gato e prometeu-lhes um óptimo presente.
           - Nós não queremos presentes – responderam aqueles dois malvados. – A nós basta-nos ter-te ensinado a maneira de enriqueceres sem te cansares para ficarmos contentes.
            Dito isto despediram-se de Pinóquio e, desejando-lhe uma boa colheita, foram à sua vida.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia)
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