sexta-feira, 15 de maio de 2020

PINÓQUIO # 15 - Capitulo XV de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

XV

Os assassinos perseguem Pinóquio, e depois de o terem alcançado 
enforcam-no num ramo do carvalho grande.

    Nesse momento Pinóquio, desanimado, esteve mesmo para se atirar ao chão e dar-se por vencido; mas nisto, ao girar os olhos em volta, viu por entre o verde carregado das árvores alvejar ao longe uma casinha branca como a neve.     “Se eu tivesse fôlego suficiente para chegar até àquela casa, talvez estivesse salvo”, disse consigo mesmo.
   E, sem perder um minuto, recomeçou a fugir pelo bosque numa corrida desenfreada. E os assassinos sempre atrás dele.
     E depois de uma corrida desesperada de quase duas horas, finalmente chegou, ofegante, à porta daquela casinha e bateu.
       Ninguém respondeu.
     Voltou a bater com mais força, porque ouvia aproximar-se o ruído dos passos e a respiração pesada e arquejante dos seus perseguidores.
     O mesmo silêncio.
     Vendo que bater não servia de nada, começou por desespero a dar pontapés e cabeçadas na porta. Então, assomou à janela uma linda Menina com os cabelos azul-turquesa e o rosto branco como uma imagem de cera, os olhos fechados e as mãos cruzadas sobre o peito, a qual, sem mexer os lábios, disse numa vozinha que parecia que vinha do outro mundo:
     - Nesta casa não está ninguém. Estão todos mortos.
     - Abre-me ao menos tu! – gritou Pinóquio, chorando e suplicando.
     - Também eu estou morta.
     - Morta? Então, o que fazes aqui à janela?
     - Estou à espera do caixão que me vem buscar.
     Mal disse isto, a Menina desapareceu e a janela fechou-se sem fazer ruído.
     - Ó linda Menina de cabelo azul-turquesa – gritava Pinóquio -, abre, por caridade. Tem compaixão de um pobre rapaz perseguido pelos assass...
    Mas não pôde acabar de pronunciar a palavra, pois sentiu-se agarrado pelo pescoço e as duas vozes do costume rosnaram-lhe em tom ameaçador:
    - Agora não voltas a escapar-nos.
    O boneco, vendo a morte passar-lhe diante dos olhos, foi por um tremor tão forte, que ao tremer se ouvia o ruído das articulações das suas pernas de madeira e das quatro moedas de ouro que tinha escondidas debaixo da língua.
   - Então? – perguntaram-lhe os assassinos. – Já queres abrir a boca, ou ainda não? Ah, não respondes?... Deixa estar, que desta vez faremos com que a abras.
    E sacando de dois facalhões muito compridos e afiados como lâminas de barbear, tzaff... tzaff..., assentaram-lhe duas facadas no meio dos rins.
    Mas o boneco, por sorte, era feito de uma madeira muito dura, e por isso as lâminas se despedaçam e se fizeram em mil lascas, e os assassinos ficaram com os cabos das facas na mão a olharem para a cara um do outro.
    - Já percebi – disse então um deles. – Temos que o enforcar. Vamos enforca-lo!
    - Vamos enforca-lo! – repetiu o outro.
   Dito e feito: amarraram-lhe as mãos atrás das costas, passaram-lhe um nó corrediço em redor do pescoço, e penduraram-no de pernas a abanar no ramo de uma árvore enorme a que chamavam o Carvalho Grande.
   Depois ficaram ali, sentados na erva, à espera que o boneco estrebuchasse pela última vez; mas, passadas três horas, Pinóquio continuava de olhos abertos e boca fechada e esperneava cada vez mais.
    Por fim, fartos de esperar, voltaram-se para ele e disseram-lhe, fazendo chacota:
    - Adeus, até amanhã. Quando voltarmos aqui amanhã, esperamos que nos faças a amabilidade de te encontrares bem morto e de boca escancarada.
    E foram-se embora.
    Entretanto levantara-se uma nortada forte que, soprando e uivando com fúria, atirava para cá e para lá o pobre enforcado fazendo-o balouçar violentamente, como o badalo de um sino que toca para a festa. E aquele balouçar procurava-lhe espasmos muitos agudos, e o nó corrediço, apertando-se cada vez mais no pescoço, tolhia-lhe a respiração.
   A pouco e pouco os olhos toldaram-se-lhe; e apesar de sentir que a morte se aproximava, continuava a esperar que de um momento para o outro aparecesse alguma alma caridosa que o socorresse. Mas quando, cansado de esperar, viu que não aparecia ninguém, mesmo ninguém, então voltou-lhe à lembrança o seu pobre pai... e murmurou, já quase moribundo:
      - Oh, meu pai!... se tu aqui estivesses!...
      E não teve fôlego para dizer mais nada. Fechou os olhos, abriu a boca, esticou as pernas, e dando um grande abanão ali ficou inteiriçado.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia)
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