terça-feira, 12 de maio de 2020

PINÓQUIO # 12 - Capitulo XII de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

XII

Trinca-Fortes, o dono dos fantoches, oferece cinco moedas de ouro a Pinóquio para as levar a seu pai, Gepeto; mas Pinóquio deixa-se enganar pela raposa e pelo gato e vai com eles.

   No dia seguinte, Trinca-Fortes chamou Pinóquio de parte e perguntou-lhe:
   - Como se chama o teu pai?
   - Gepeto.
   - E que ofício tem?
   - O de pobre.
   - Ganha bem?
  - Ganha tanto quanto basta para nunca ter um cêntimo no bolso. Imagine que para me comprar a cartilha para a escola teve de vender o único casaco que tinha: um casaco que era uma chaga, cheio de passagens e remendos.
   - Pobre diabo, quase me faz dó. Aqui tens cinco moedas de ouro. Vai já levar-lhas e dá-lhe muitos cumprimentos da minha parte.
   - Como se pode imaginar, Pinóquio agradeceu-lhe muito; abraçou um a um todos os fantoches da companhia, até os gendarmes, e, não cabendo em si de contentamento, pôs-se a caminho para regressar a casa.
    Porém, ainda não tinha andado meio quilómetro quando encontrou na estrada uma Raposa coxa de um pé e um Gato cego dos dois olhos, que seguiam o seu caminho ajudando-se um ao outro como bons companheiros de desventura. A Raposa, que era coxa, ia apoiada no Gato, e o Gato, que era cego, deixava-se guiar pela Raposa.
     - Bom dia, Pinóquio – disse-lhe a Raposa, cumprimentando-o amavelmente.
     - Como é que sabes o meu nome? – perguntou o boneco.
     - Conheço bem o teu pai.
     - Onde é que o viste?
     - Vi-o ontem à porta de casa.
     - E o que estava ele a fazer?
     - Estava de mangas de camisa e tremia de frio.
     - Meu pobre pai! Mas, se Deus quiser, a partir de hoje nunca mais há-de tremer.
     - Porquê?
     - Porque eu agora sou um grande senhor.
    - Um grande senhor, tu? – disse a Raposa, e começou a rir de modo grosseiro e trocista; e o Gato também se ria, mas para disfarçar penteava os bigodes com as patas da frente.
     - Não há motivos para rir – gritou Pinóquio, ofendido. – Lamento muito fazer-vos crescer água na boca, mas estas aqui, se é que percebem alguma coisa disto, são cinco esplêndidas moedas de ouro.
      E mostrou-lhes as moedas que receberam como oferta do Trinca-Fortes.
      Ao som agradável daquelas moedas, a Raposa, num movimento involuntário, esticou a perna que parecia encolhida, e o Gato arregalou os dois olhos, que pareciam duas lanternas verdes; mas fechou-os logo, de tal modo que Pinóquio nem deu por nada.
       E agora – perguntou-lhe a Raposa – o que queres fazer com essas moedas?
      - Primeiro que tudo – respondeu ele – quero comprar ao meu pai um belo casaco novo, todo de ouro e prata e com botões de brilhantes; e depois quero comprar uma cartilha para mim.
       - Para ti?
       - É verdade: porque quero ir à escola e começar a estudar a sério.
       - Olha para mim! – disse a Raposa. – Por causa da estúpida mania de estudar perdi uma perna.
       - Olha para mim! – disse o Gato. – Por causa da estúpida mania de estudar perdi a visão dos dois olhos.
      - Naquele momento, um Melro branco que estava pousado numa sebe junto à estrada deu o seu pio habitual e disse:
       - Pinóquio, não dês ouvidos aos conselhos das más companhias, senão, ainda te vais arrepender!
     Pobre Melro, antes não tivesse dito nada! O Gato, dando um grande salto, lançou-se sobre ele e, sem lhe dar sequer tempo de dizer “ai”, comeu-o de uma só dentada, com penas e tudo.
      Depois de o comer e de limpar a boca, fechou outra vez os olhos e continuou a fazer-se de cego como antes.
      - Coitado do Melro – disse Pinóquio ao Gato. – Porque é que o trataste tão mal?
      - Fi-lo para lhe dar uma lição. Assim, para a outra vez aprenderá a não se meter nas conversas dos outros.
    Tinham já feito mais de metade do caminho quando a Raposa, parando de repente, disse ao boneco:
       - Queres multiplicar as tuas moedas de ouro?
       - O que queres dizer?
       - Dessas cinco miseráveis moedas de ouro queres fazer cem, mil, duas mil?
       - Quem me dera! E de que maneira?
       - De uma maneira muito fácil. Em vez de voltares para casa, terias de vir connosco.
       - O onde me querem levar?
       - À terra dos Tolos.
       Pinóquio pensou pouco, e depois disse resolutamente:
      - Não, não quero. Já estou perto de casa e é para lá que quero ir, pois é lá que o meu pai está à minha espera. Pobre velho, sabe-se lá quanto terá suspirado ontem por não me ver voltar. Infelizmente tenho sido um mau filho, e o Grilo-Falante tinha razão quando dizia: “Os miúdos desobedientes não podem encontrar o bem neste mundo.” E eu tive a prova disso à minha própria custa, pois aconteceram-me muitas desgraças, e ainda ontem à noite em casa de Trinca-Fortes corri perigo... Brrr! Fico todo arrepiado só de pensar nisso!
       - Portanto! – disse a Raposa -, queres mesmo ir para tua casa? Pois então vai, e tanto pior para ti.
       - Tanto pior para ti! – repetiu o Gato.
       - Pensa bem, Pinóquio, pois estás a dar um pontapé na sorte.
       - Na sorte! – repetiu o Gato.
       - As tuas cinco moedas de ouro, de um dia para o outro, passariam a ser duas mil. 
- Duas mil! – repetiu o Gato.
       - Mas como é que é possível que passem a ser tantas? – perguntou Pinóquio, ficando boquiaberto de espanto.
      - Explico-te já – disse a Raposa. – Primeiro tens de saber que na Terra dos Tolos há um campo abençoado, a que toda a gente chama o Campo dos Milagres. Fazer nesse campo um pequeno buraco e metes lá dentro, por exemplo, uma moeda de ouro. Depois voltas a cobrir o buraco com um bocadinho de terra, rega-lo com dois baldes de água da fonte, deitas-lhe por cima uma mão-cheia de sal, e á noite vais descansadinho para a cama. Entretanto, durante a noite, a moeda germina e floresce, e na manhã seguinte ao levantar voltas ao campo e o que é que encontrar? Encontrar uma bela árvore carregada de tantas moedas de ouro quantos os grãos de trigo que pode ter uma boa espiga no mês de Junho.
      - Então sendo assim – disse Pinóquio, cada vez mais espantado -, se eu enterrasse naquele campo as minhas cinco moedas de ouro, na manhã seguinte quantas moedas lá encontraria?
     - É uma conta muito fácil de fazer – respondeu a Raposa -, uma conta que até podes fazer pelos dedos. Suponhamos que cada moeda de ouro produz um cacho de quinhentas moedas: multiplicas as quinhentas por cinco, e na manhã seguinte poderás meter ao bolso duas mil e quinhentas moedas de ouro luzentes e sonantes.
    - Oh, mas que coisa boa! – gritou Pinóquio, dançando de alegria. – Assim que eu colher essas moedas de ouro, fico com duas mil para mim e as outras quinhentas dou-as de presente a vocês os dois.
      - Um presente para nós? – gritou a Raposa, indignando-se e dizendo-se ofendida. – Deus te livre!
      - Te livre! – repetiu o Gato.
    - Nós – prosseguiu a raposa – não trabalhamos por vil interesse: trabalhamos unicamente para enriquecer os outros.
      - Os outros! – repetiu o Gato.
     “Que pessoas tão boas!”, pensou Pinóquio para si mesmo. E, esquecendo-se imediatamente do pai, do casaco novo, da cartilha e de todos os bons propósitos que fizera, disse à Raposa e ao Gato:
      - Vamos já embora: eu vou com vocês.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia)
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