quarta-feira, 13 de maio de 2020

PINÓQUIO # 13 - Capitulo XIII de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

 XIII


A estalagem do Lagostim Encarnado.


  Andaram, andaram, andaram, e finalmente, ao cair da noite, chegaram mortos de cansaço à estalagem do lagostim Encarnado.   - Paremos aqui um bocado – disse a Raposa -, para comermos qualquer coisa e descansarmos umas horas. À meia-noite partimos de novo, para estarmos amanhã ao nascer do dia no Campo dos Milagres.
   Entraram na estalagem e sentaram-se os três à mesa; mas nenhum deles estava com apetite.
   Pobre do Gato, que se sentia seriamente indisposto do estômago, não conseguiu comer mais do que trinta e cinco salmonetes com molho de tomate e quatro doses de dobrada com queijo ralado; e, como a dobrada não lhe parecia estar bem temperada, pediu por três vezes a manteiga e o queijo ralado.
  A raposa também teria petiscado qualquer coisinha de boa vontade; mas, como o médico lhe ordenara uma dieta rigorosa, teve de contentar-se com uma simples lebre em molho agridoce, com um acompanhamento muito leve de galinhas gordas e frangos bem tenros. Depois da lebre mandou vir, para lhe abrir o apetite, um fricassé misto de perdizes, estarnas, coelhos, rãs, lagartos e uvas aromáticas, mas depois não quis mais nada. A comida dava-lhe tantas náuseas, dizia ela, que não conseguia levar nada à boca.
    De todos, o que comeu menos foi Pinóquio. Pediu uma noz e um pedacinho de pão, e deixou as duas coisas no prato. O pobre rapazinho, com o pensamento sempre fixo no Campo dos Milagres, apanhara uma indigestão antecipada de moedas de ouro.
     Quando acabaram de jantar, a Raposa disse ao estalajadeiro:
   - Arranje-nos dois bons quartos, um para o senhor Pinóquio e outro para mim e para o meu companheiro. Antes de partirmos dormiremos uma soneca. Mas lembre-se de que à meia-noite queremos ser acordados para prosseguirmos a nossa viagem.
     - Sim, senhores – respondeu o estalajadeiro, e piscou o olho à Raposa e ao Gato, como que a dizer: “Já topei o esquema, estamos entendidos.”
     Assim que Pinóquio se meteu na cama, adormeceu imediatamente e começou a sonhar. No sonho parecia-lhe que estava no meio de um campo, e que esse campo estava cheio de pequenas árvores carregadas de cachos, e esses cachos estavam carregados de moedas de ouro que, baloiçando ao vento, faziam tzim, tzim, tzim, como se quisessem dizer: “quem nos quiser que nos venha colher”. Mas quando Pinóquio estava no melhor do sonho, ou seja, quando estendeu a mão para apanhar às mãos-cheias todas aquelas belas moedas e metê-las no bolso, foi despertado de repente por três pancadas violentíssimas na porta do quarto.
      Era o estalajadeiro que lhe vinha dizer que já tinha soado a meia-noite.
      - E os meus companheiros já estão prontos? – perguntou-lhe Pinóquio.
      - Mais do que prontos! Já há duas horas que partiram.
      - Mas porquê tanta pressa?
    - Porque o Gato recebeu um recado a dizer-lhe que o seu gatinho mais crescido, doente com frieiras nos pés, estava em perigo de vida.
      - E pagaram o jantar?
    - Que lhe parece? Aquilo são pessoas demasiadas educadas para fazerem uma afronta dessas a Vossa Senhoria.
     - É pena! Essa afronta ter-me-ia dado muito prazer! – disse Pinóquio, coçando a cabeça. Depois perguntou:
      - E onde é que aqueles bons amigos disseram que me esperavam?
      - No Campo dos Milagres, amanhã de manhã ao romper do dia.
     Pinóquio pagou uma moeda de ouro pelo seu jantar e pelo dos seus companheiros, e depois partiu.
    Mas pode-se dizer que partiu às apalpadelas, porque fora da estalagem estava escuro tão escuro que não se via um palmo à frente do nariz. Nos campos em volta não se ouvia bulir uma folha. Apenas algumas aves nocturnas, atravessando a estrada de uma sebe à outra, vinham bater as asas por cima do nariz do Pinóquio, o qual, dando um salto para trás com susto, gritava: “Quem está aí?”, e o eco das duas colinas em redor repetia à distância: “Quem está aí? Quem está aí? Quem está aí?”
   Entretanto, enquanto ia andando, viu sobre o tronco de uma árvore um bichinho pequeno que reluzia com uma luz pálida e opaca, como a de uma luzinha de presença dentro de um candeeiro de porcelana transparente.
    - Quem és tu? – perguntou-lhe Pinóquio.
   - Sou o fantasma do Grilo-Falante – respondeu-lhe o bichinho com uma vozinha muito fraca, que parecia que vinha do outro mundo.
    - O que queres de mim? – disse o boneco.
    - Quero dar-te um conselho. Volta para trás e leva ao teu pobre pai as quatro moedas de ouro que te restam, pois ele chora e desespera-se por nunca mais te ter visto.
   - Amanhã o meu pai será um grande senhor, porque estas quatro moedas de ouro se transformarão em duas mil.
   - Meu rapaz, não te fies naqueles que prometem tornar-te rico da noite para o dia. Normalmente, ou são loucos ou intrujões. Faz o que te digo, volta para trás.
   - Mas acontece que eu quero seguir em frente.
   - A hora é tardia!...
   - Quero seguir em frente.
   - A noite está escuro...
   - Quero seguir em frente.
   - A estrada é perigosa...
   - Quero seguir em frente.
  - Lembra-te de que os rapazes que querem agir de acordo com os seus caprichos e conforme lhe apetece, mais tarde ou mais cedo arrependem-se.
   - As histórias do costume. Boa noite, Grilo.
   - Boa noite, Pinóquio, e que o céu te proteja do orvalho e dos assassinos.
   Assim que disse as últimas palavras, o Grilo-Falante apagou-se de repente, como se apaga uma vela quando a sopramos, e a estrada ficou mais escura do que antes.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia)
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