quinta-feira, 7 de maio de 2020

PINÓQUIO # 10 - Capitulo X de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

X

Os fantoches reconhecem o seu irmão Pinóquio e receberam-no com muita alegria; mas no melhor da festa aparece Trinca-Fortes, o dono dos fantoches, 
e Pinóquio corre o risco de ter um triste fim.

   Quando Pinóquio entrou no teatrinho de fantoches, sucedeu um facto que provocou uma meia revolução.
Devo dizer que o pano já tinha subido e a comédia já tinha começado.
    Em cena viam-se Arlequim e Polichinelo que discutiam um com o outro e, como de costume, ameaçavam desatar às bofetadas e às pauladas de um momento para o outro.
   A plateia, muito atenta, torcia-se de riso ao ouvir a discussão daqueles dois fantoches que gesticulavam e se insultavam mutuamente com tanto realismo, que pareciam mesmo dois animais racionais, duas pessoas deste mundo.
      Eis senão quando de repente, o que é que foi, o que é que não foi, Arlequim para de representar e, voltando-se para o público e acenando com a mão a alguém que estava ao fundo da plateia, começa a gritar em tom dramático:
      - Deus do céu! Estou a sonhar ou estou acordado?
      - É verdade, é o Pinóquio – grita Polichinelo.
      - É ele mesmo – berra a senhora Rosaura, espreitando do fundo do palco.
    - É o Pinóquio, é o Pinóquio! – gritam em coro os fantoches todos, saindo dos bastidores aos saltos. – É o Pinóquio! É o nosso irmão Pinóquio! Viva o Pinóquio.
    - Pinóquio, vem ter comigo aqui acima! – grita Arlequim – vem lançar-te nos braços dos teus irmãos de madeira!
     Ao ouvir este afectuoso convite Pinóquio dá um salto e, do fundo da plateia, vai parar aos lugares da frente; depois, com outro salto, dos lugares da frente sobe à cabeça do diretor de orquestra, e dali dá um pulo para o palco.
     É impossível imaginar os abraços, os apertos de pescoço, os beliscões de amizade e as cabeçadas de verdadeira e sincera fraternidade que Pinóquio recebeu, no meio de enorme confusão, dos atores e atrizes daquela companhia dramática-vegetal.
     Era um espetáculo comovente, não há nada a dizer; mas o público da plateia, ao ver que a comédia não prosseguia, impacientou-se e começou a gritar:
     - Queremos a comédia, queremos a comédia!
   Era tudo fôlego desperdiçado, porque os fantoches, em vez de continuarem a representação, redobraram o barulho e gritos e, erguendo Pinóquio sobre os ombros, levaram-no em triunfo até às luzes da ribalta.
      Então apareceu o dono dos fantoches, um homenzarrão tão feio que só olhar para ele metia medo. Tinha uma barbaça negra como um borrão de tinta, e tão comprida que lhe descia do queixo até ao chão: basta dizer que ao caminhar a pisava com os pés. A sua boca era grande como um forno, os olhos pareciam duas lanternas de vidro vermelho com a luz acesa lá dentro; e, com as mãos, fazia estalar um grande chicote feito de peles de cobra e de cauda de raposa entrelaçadas uma nas outras.
       Perante a aparição inesperada do dono dos fantoches emudeceram todos: ninguém voltou a abrir a boca. Se ali houvesse uma mosca, podia-se ouvi-la voar. Aqueles pobres fantoches de ambos os sexos tremiam como varas verdes.
    - Porque é que vieste pôr o meu teatro em desordem? – perguntou o dono dos fantoches a Pinóquio, com um vozeirão de monstro constipado.
       - Pode crer, ilustríssimo, que a culpa não foi minha.
       - Não digas mais! Esta noite ajustamos contas.
      De facto, quando terminou a representação da comédia, o dono dos fantoches foi para a cozinha onde tinha preparado para o seu jantar um belo carneiro, que girava lentamente enfiado no espeto. E como precisava de mais lenha para acabar de o assar e tostá-lo bem, chamou Arlequim e Polichinelo e disse-lhes:
     - Tragam-me cá aquele fantoche que está pendurado no prego. Parece-me que é feito de uma madeira muito bem seca, e tenho a certeza de que, se o puser no lume, me vai dar uma ótima chama para o assado.
      - Arlequim e Polichinelo a princípio hesitaram; mas, assustados com a olhadela feroz do dono, obedeceram, e pouco depois voltaram à cozinha trazendo nos braços o pobre Pinóquio que, contorcendo-se como uma enguia fora de água, gritava desesperadamente:
        - Salva-me, meu pai! Não quero morrer, não quero morrer.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia)
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