quinta-feira, 30 de abril de 2020

PINÓQUIO # 6 - Capitulo VI de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

VI

Pinóquio deixa-se dormir com os pés em cima da braseira e na manhã seguinte 
acorda com eles todos queimados.

     Por azar estava uma desagradável noite de Inverno. Trovejava com intensidade, relampejava como se o céu se incendiasse, e soprava um vento frio e forte que assobiava com fúria e levantava uma enorme nuvem de poeira, fazendo ranger e chiar todas as árvores do campo.
    Pinóquio tinha muito medo dos trovões e dos relâmpagos; a fome, porém, era mais forte do que o medo; por isso encostou a porta de casa e, correndo velozmente, numa centena de saltos chegou à aldeia, com a língua de fora e a respiração ofegante como um cão de caça.
    Mas encontrou tudo escuro e tudo deserto. As lojas estavam fechadas, as portas e as janelas das casas estavam fechadas, e na rua não se via nem sequer um cão. Parecia a terra dos mortos.
    Então Pinóquio, dominado pelo desespero e pela fome, agarrou-se à sineta de uma porta e começou a tocá-la sem parar, dizendo a si mesmo:
    “Alguém se há-de assomar.”
   De facto, assomou-se um velho com o barrete de dormir na cabeça, que lhe gritou irritado:
   - O que queres tu a esta hora?
   - Não faz o favor de me dar um bocadinho de pão?
   - Espera aí que eu já volto – respondeu o velho, pensando que tinha de dar uma lição a um daqueles rapazolas impertinentes que de noite se divertem a tocar às sinetas das casas, para incomodar as pessoas de bem que dormem tranquilamente.
    Meio minuto depois, a janela abriu-se de novo e a voz do mesmo velhote gritou Pinóquio:
   - Põe-te aqui por baixo e apara o chapéu.
   Pinóquio tirou logo seu chapelito; mas, quando fazia o gesto de aparar, sentiu chover-lhe em cima uma grande bacia de água que o regou todo da cabeça aos pés, com se fosse um vaso de gerânios murchos.
   Voltou para casa ensopado como um pinto e esgotado pelo cansaço e pela fome; e como já não tinha forças para se aguentar em pé, sentou-se, apoiando os pés encharcados e enlameados na braseira cheia de brasas incandescentes.
  E ali adormeceu; e enquanto dormia os seus pés de madeira pegaram fogo e, pouco a pouco, fizeram-se em carvão e depois em cinza.
   E Pinóquio continuava a dormir e a ressonar, como se os pés não lhe pertencessem. Finalmente, ao romper do dia acordou porque alguém bateu à porta.
   - Quem é? – perguntou, bocejando e esfregando os olhos.
   - Sou eu – respondeu uma voz.
   Aquela voz era a voz de Gepeto.

"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia)
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