terça-feira, 21 de abril de 2020

PINÓQUIO # 2 - Capítulo II de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

II

Mestre Cereja oferece o pedaço de madeira ao seu amigo Gepeto, que o leva para fazer um boneco maravilhoso que saiba dançar, fazer esgrima e dar saltos mortais.

    Naquele instante bateram à porta.
    - Entre – disse o carpinteiro, sem ter forças para se pôr de novo em pé.
    Então, entrou na oficina um velhote todo gaiteiro que se chamava Gepeto; mas os rapazes das vizinhanças, quando queriam fazê-lo enfurecer, tratavam-no pela alcunha de Papinhas-de-Milho, por causa da sua peruca amarela que se assemelhava muito às papas de farinha de milho.
    Gepeto era muito irritadiço. Ai de quem lhe chamasse Papinhas-de-Milho! Ficava logo furioso, e não havia maneira de o acalmar.
    - Bom dia, mestre António – disse Gepeto. – O que faz você aí no chão?
    - Estou a ensinar as formigas a contar.
    - Bom proveito lhe faça.
    - Quem o trouxe até à minha oficina, compadre Gepeto?
    - As pernas!... Saiba, mestre António, que vim até cá para lhe pedir um favor.
    - Aqui me tem pronto a servi-lo – respondeu o carpinteiro, pondo-se de joelhos para se levantar.
    - Esta manhã veio-me uma ideia à cabeça.
    - Vamos lá a ouvi-la.
    - Pensei em construir um belo boneco de madeira; mas um boneco maravilhoso, que saiba dançar, fazer esgrima e dar saltos mortais. Quero correr mundo com esse boneco, para granjear um naco de pão e um copo de vinho. O que lhe parece?
    - Bravo, Papinhas-de-Milho! – gritou a vozinha do costume, que não se percebia de onde saía.
    Quando ouviu que lhe chamavam Papinhas-de-Milho, o compadre Gepeto, com a raiva, fez-se vermelho como um pimentão e, voltando-se para o carpinteiro, disse-lhe furioso:
    - Porque é que me ofende?
    - Quem é que o ofendeu?
    - Chamou-me Papinhas-de-Milho.
    - Não fui eu.
    - Querem ver que fui eu? Estou-lhe a dizer que foi você.
    - Não!
    - Sim!
    - Não!
    - Sim!
    Cada vez mais excitados, passaram das palavras aos actos e, agarrando-se pelos cabelos, arranharam-se, morderam-se e amachucaram-se.
    Quando a luta acabou, mestre António tinha nas mãos a peruca amarela de Gepeto, e Gepeto reparou que tinha na boca a peruca grisalha do carpinteiro.
    - Dá cá a minha peruca! – gritou mestre António.
    - E tu dá-me a minha, e façamos as pazes.
    Os dois velhotes, depois de terem posto cada um o seu chinó, deram um aperto de mão e juraram ficar bons amigos para toda a vida.
    - Pois bem, compadre Gepeto – disse o carpinteiro, em sinal de que as pazes estavam feitas -, qual é o favor que deseja de mim?
    - Queria um bocado de madeira para construir o meu boneco. Dá-mo?
    Mestre António, todo contente, foi logo buscar ao banco de carpinteiro aquele pedaço de madeira que o tinha feito apanhar tantos sustos. Mas quando ia entrega-lo ao amigo, o bocado de madeira deu um safanão e, escapando-lhe violentamente das mãos, foi bater com força nas canelas magras do pobre Gepeto.
    - Ah! Mestre António, é com esta gentileza que faz oferta das suas coisas? Quase me deixou coxo.
    - Juro-lhe que não fui eu!
    - Se calhar, fui eu.
    - A culpa é toda deste pau.
    - Bem sei que é do pau: mas foi você que mo atirou às pernas.
    - Eu não lho atirei!
    - Aldrabão!
    - Gepeto, não me ofenda; senão, chamo-lhe Papinhas-de-Milho!...
    - Asno!
    - Papinhas-de-milho!
    - Burro!
    - Papinhas-de-milho!
    - Macaquinho feio!
    - Papinhas-de-milho!
    Ao ouvir que lhe chamavam Papinhas-de-Milho pela terceira vez, Gepeto deixou de ver, atirou-se ao carpinteiro e deram uma valente coça um ao outro.
    Quando a batalha terminou, mestre António tinha mais dois arranhões no nariz, e o outro dois botões a menos no casaco. Com as contas empatadas desta maneira, deram um aperto de mão e juraram que ficavam bons amigos para toda a vida.

    Então, Gepeto pegou no seu belo pedaço de madeira e, depois de agradecer a mestre António, voltou para casa a coxear.



Tradução | Escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1999

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