terça-feira, 28 de abril de 2020

PINÓQUIO # 4 - Capitulo IV de Carlo Collodi (publicado em 1881 - Itália)

IV

O episódio do Pinóquio com o Grilo-Falante, onde se vê como os meninos maus não gostam de ser corrigidos por quem sabe mais do que eles.

   Digo-vos pois, meus amigos, que enquanto o pobre Gepeto era levado para a prisão sem ter feito mal nenhum, o maroto do Pinóquio, depois de se livrar das garras do guarda, corria a tal velocidade através dos campos para chegar a casa mais depressa; e, com toda aquela fúria de correr, saltava penhascos altíssimos, sebes de silvas e fossos cheios de água, tal como fariam um cabrito ou uma lebre perseguidos pelos caçadores.
  Quando chegou diante da casa, encontrou a porta da rua entreaberta. Emperrou-a, entrou e, trancando-a à pressa, atirou-se para o chão onde ficou sentado, soltando um grande suspiro de satisfação.
    Mas a satisfação durou pouca, porque ouviu alguém ali dentro que fez:
    - Cri-cri-cri.
    - Quem me chama? – disse Pinóquio, cheio de medo.
    - Sou eu.
   Pinóquio voltou-se, e viu um Grilo muito grande que subia lentamente pela parede.
   - Diz-me, Grilo, quem és tu?
   - Sou o Grilo-Falante, e moro nesta casa há mais de cem anos.
   - Mas esta casa agora é minha – disse Pinóquio. – E se me quiseres fazer um favor, vai-te já embora sem querer olhares para trás.
   - Não me vou embora – respondeu o Grilo -, sem primeiro te dizer uma grande verdade.
   - Então diz e despacha-te.
   - Ai dos meninos que se revoltarem contra os pais e que têm o atrevimento de fugir da casa paterna.     
 Nunca encontrarão o bem deste mundo, e mais tarde ou mais cedo hão-de arrepender-se amargamente.
   - Canta por aí, Grilo, como quiseres e te apetecer; o que eu sei é que amanhã ao nascer do dia quero ir-me embora daqui, porque se aqui ficar vai-me acontecer o mesmo que acontece a todos os outros miúdos, ou seja, mandam-me para a escola, e a bem ou a mal terei de estudar; e eu, aqui para nós, não tenho nem um bocadinho de vontade de estudar, e divirto-me mais a correr atrás das borboletas e a subir às árvores para tirar os passarinhos dos ninhos.
   - Grande palerma! Então não sabes que, se assim fizeres, quando fores grande não passarás de um burro e todos farão pouco de ti?
   - Cala-te, Grilo agoirento! – gritou Pinóquio.
   Mas o Grilo, que era paciente e filosófico, em vez de levar a mal tal insolência continuou no mesmo tom de voz:
   - E se não te agrada ir à escola, porque é que não aprendes ao menos um ofício, para poderes ganhar honestamente um pedaço de pão?
  - Queres que te diga? – respondeu Pinóquio, que começava a perder a paciência. – Entre todos os ofícios do mundo, há só um de que eu gosto.
   - E qual é ele?
   - O de comer, beber, dormir, divertir-me e levar a vida de vadio de manhã à noite.
  - Para tua orientação – disse o Grilo-Falante com a calma habitual -, todos os que exercem esse ofício acabam quase sempre no hospital ou na cadeia.
   - Toma cuidado, Grilaço agoirento... se me chega a mostarda ao nariz, não sei o que te faço.
   - Pobre Pinóquio, fazes-me mesmo pena.
   - Porque é que te faço pena?
   - Porque és um boneco, e o pior é que tens uma cabeça de pau.
  Ao ouvir estas últimas palavras, Pinóquio enfureceu-se e, pegando num martelo de madeira que estava sobre o banco, lançou-o contra o Grilo-Falante.
   Se calhar nem sequer pensava que o ia atingir; mas infelizmente atingiu-o e precisamente na cabeça, de maneira que o pobre Grilo só teve fôlego para fazer cri-cri-cri e ficou ali morto, colado à parede.


"As Aventuras de Pinóquio - História de um Boneco" Ed. Cavalo de Ferroa, 2004  |  Tradução de Margarida Periquito  (escrito de acordo com a antiga ortografia)
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